Considerações iniciais
A presente publicação tem a finalidade de apresentar uma possibilidade de análise do videoclipe de Michael Jackson - Thriller (Full Version) | 4K | (Official Music Video) e do comercial da SKY 2013 - Mansão SKY, com vistas a identificar representações de intertextualidade e interdiscursividade.
O curta-metragem de 14 minutos de Michael Jackson, "Thriller", revolucionou o gênero de videoclipes para sempre, sendo veiculado em 3 de Outubro de 2009 na plataforma: https://www.youtube.com/watch?v=sOnqjkJTMaA. Aclamado como um dos maiores videoclipes de todos os tempos pela MTV, VH1, Rolling Stone e outros, "Thriller", dirigido por John Landis, também é o único videoclipe selecionado para ser incluído no prestigioso National Film Registry da Biblioteca do Congresso. O outro é um comercial da SKY, que é uma operadora de TV por assinatura via satélite do país. A propaganda Mansão Sky, também conhecida como Novo Michael Jackson Thriller com Gisele Bündchen foi publicada em 28 de fevereiro de 2013, no canal da MRLovaticVEVO, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=oofwJqRVovg.
Utilizamos como aporte teórico desta investigação, no que se refere à intertextualidade: Bazerman (2004) e Costa (2022), que faz uma releitura do primeiro autor. A intertextualidade é referenciada por Bazerman (2004, p. 86, tradução nossa), enquanto "as relações explícitas e implícitas que um texto ou enunciado tem com outros, sejam anteriores, contemporâneos ou pretensos". Essas relações se estabelecem de modo a evocar representações discursivas e releituras de outras fontes que incidem sobre a situação e posicionamento textual. Dessa maneira, a intertextualidade tem sua materialidade no diálogo com outros textos e se consubstancia a partir da apreensão dessa construção de significados por parte do leitor/ouvinte/interagente de textos. Isso se concretiza a partir das experiências de vida, dos contatos linguísticos e envolvimento sociocultural desse sujeito interagente com o referido tema em evidência nos textos em análise, o que vai ser determinante para o alcance das representações de intertextualidade.
Bazerman (2004) lista seis técnicas que ilustram o tipo de intertextualidade e interdiscursividade, quais sejam: a) Citação direta, b) Citação indireta, c) Menção de uma pessoa, documento ou declarações, d) Comentar ou avaliar uma declaração, texto ou voz invocada de outra forma, e) Frases reconhecíveis, terminologia ou “voz” de um grupo de pessoas ou documento, f) Ecoar certas formas de comunicação, discussões ou tipos de documento.
A primeira técnica a) remete à adoção de elementos de textos anteriores para construção de significados. A respeito dessa citação, Bazerman (2004) destaca, porém, que a partir dela o segundo autor "tem controle sobre exatamente quais palavras serão citadas, os pontos em que a citação será cortada e o contexto em que será usada" (BAZERMAN, 2004, p. 88, tradução nossa); em b) há uma contemplação pelo produtor do texto de elementos de textos anteriores, porém, com as devidas adequações, conforme o novo contexto; a estratégia c) reflete o uso de menção de pessoas, documentos ou declarações como plano de fundo, suporte ou contraste, partindo do pressuposto que serão reconhecíveis aos leitores/ouvintes/interagentes; a d) se revela mediante avaliação acerca de um conhecimento que se imagina comum, geralmente, sobre um tema ou crenças de fácil reconhecimento dos leitores/ouvintes/interagentes .
As técnicas e) e f) por serem recuperadas mediante implícitos, ou seja, por serem do âmbito extralinguístico, são consideradas como representativas da interdiscursividade. Em e) é adotada a inclusão de tipos reconhecíveis de linguagem, frases e gêneros, os quais evocam mundos sociais particulares, enquanto que em f) são refletidos os recursos de linguagem que referenciam o contexto sociocultural da época (COSTA, 2022).
Discussão e análise
Com vistas a uma melhor estruturação da descrição e análise dos recortes visuais dos vídeos em questão, optamos por organizar da seguinte forma: primeiro, realizaremos descrição geral acerca das comunicações visuais a serem comparadas; em seguida, apresentaremos as imagens e depois, teceremos análise, com base nas técnicas de representação de intertextualidade (BAZERMAN, 2004).
Observamos que os dois vídeos contemplam cenário tenebroso, com alusão à casa mal assombrada, localizada em região sem vizinhança, marcado por tons escuros, em especial, cinza, preto, dando aspecto de sombrio, com vegetação ao redor.
Imagem 1- Videoclipe Thriller
Imagem 2- Propaganda da Sky
Fonte: Captura de tela feita pela autora diretamente do canal do YouTube
Em observância às Imagens 1 e 2, percebemos que as casas do desenrolar da cena principal são semelhantes, com aspectos de envelhecimento, ainda que com estruturas arquitetônicas diferenciadas, antiga e mais recente, respectivamente, o que nos remete à utilização da estratégia de citação direta (BAZERMAN, 2004) pelo produtor da propaganda da Sky em relação ao videoclipe Thriller.
Além disso, notamos a presença de personagens que interagem diretamente com os protagonistas (namorada no vídeo da Imagem 1 e entregador da Sky, no vídeo da Imagem 2), porém, em enredos diversos e com vestimentas típicas de contextos socioculturais também diferentes). A confirmação dessa adequação se intensifica pela escolha do carro que compõe o texto visual nas duas produções, em específico, na Imagem 2, ao identificarmos que o veículo escolhido para compor o visual e ser usado pelo referido entregador é uma versão mais moderna de carro hatch. Dessa maneira, inferimos que a técnica da citação indireta (BAZERMAN, 2004) foi a escolhida pelo produtor do texto comercial da Sky, considerando suas adequações feitas na produção. Entretanto, no que se refere à música de fundo da Imagem 2, foi adotada a canção do videoclipe da Imagem 1, sem alterações, o que nos autoriza a reconhecer essa estratégia de intertextualidade como citação direta (BAZERMAN, 2004).
Adiante, trazemos um recorte de imagens que versa sobre as mesmas escolhas de fonte, da seleção da cor vermelha como destaque e com mesmo plano de fundo escuro, sombrio, bem como se referem ao mesmo campo semântico do terror.
Imagem 3- Videoclipe Thriller
Imagem 4- Propaganda da Sky
Fonte: Captura de tela feita pela autora diretamente do canal do YouTube
A partir das imagens 3 e 4, constatamos semelhanças entre a composição do visual e linguístico. O jogo com as palavras adotado na propaganda da Sky é uma referência indireta ao título da canção de Michael Jackson. Este é posto como paralelo ao nome do produto que está sendo anunciado (Sky), enquanto que Thriller é contemplado de forma aportuguesada (Terror) na Imagem 4. Ademais, permanecem inalteradas as cores, a ênfase dada ao conteúdo linguístico pela fonte, estilo e fundo sombrio. Assim, defendemos que a técnica da menção indireta foi a técnica adotada (BAZERMAN, 2004), uma vez que há alusão verbal ao filme sem realmente mencionar seu nome (COSTA, 2022).
Ainda em relação ao contraste de cores, percebemos que ambos os vídeos exploram com bastante recorrência a tonalidade vermelha e preta, em especial nos protagonistas, que usam roupas nesses tons, bem como maquiagem e calçados. Por essas pistas de paleta de cores e também das ações dos personagens protagonistas, conseguimos relacionar a atuação entre Michael Jackson e Gisele Bündchen, enquanto resgatadores, respectivamente, da personagem (representada como possível namorada de Jackson no primeiro videoclipe) e do entregador da Sky, na propaganda.
Imagem 5- Videoclipe Thriller
Imagem 6- Propaganda da Sky
Fonte: Captura de tela feita pela autora diretamente do canal do YouTube
A partir da comparação das comunicações visuais expressas nas Imagens 5 e 6, concebemos, enquanto técnica abordada, a menção indireta (BAZERMAN, 2004) das celebridades Gisele Bündchen e Michael Jackson como plano de contraste nas produções audiovisuais.
Constatamos ainda que há alguns personagens presentes na propaganda da Sky que ecoam séries de televisão, contos clássicos, batalhas medievais, e do âmbito da ficção, os quais marcaram a cultura popular, tais como: fantasma, Corcunda de Notredame, Frankenstein, Lobisomem, Família Addams: em especial Mortícia Addams (que tem aparência de vampira) sendo referenciada por Gisele Bundchen, o corvo categorizando a Wandinha, a senhora do retrato fixado na parede que mexe os olhos, aludindo à vovó Addams, os quais alguns podem ser recuperados com base na imagem, a seguir:
Imagem 7- Personagens de ficção na propaganda Sky
Fonte: Captura de tela feita pela autora diretamente do canal do YouTube
Nessa perspectiva, sinalizamos que essa estratégia intertextual é uma referência interdiscursiva, por ser recuperável a partir de implícitos, o que nos autoriza a caracterizá-la como a técnica e) uso de tipos reconhecíveis de linguagens, frases ou gêneros (BAZERMAN, 2004).
Ainda nesse contexto final da propaganda que reúne os personagens sentados e usufruindo do pacote de serviços da Sky , a protagonista comenta: "Ainda bem que agora a gente tem Sky, que essa casa tava meio morta, né?", o que provoca mudança de expressões nos rostos dos personagens e um direcionamento de olhar deles para ela (acompanhado de um momento de silêncio), o que nos sugere o não entendimento a priori do comentário, mas é seguido de risos como se tivessem, então, compreendido, consoante Imagem 8. Essa relação entre o que a Sky representa e o que esses personagens e cenário como um todo expressam é inversamente proporcional, se reconhecermos de forma implícita que são referências antigas e mórbidas, enquanto que o slogan reforçado pela operadora, na Imagem 9, é: “Sky, você na frente sempre”.
Imagem 8-Momento de compreensão do comentário da protagonista
Imagem 9- Momento de reforço do slogan da Sky
Fonte: Captura de tela feita pela autora diretamente do canal do YouTube
Com base nas ativações possíveis de significados, a partir das Imagens 8 e 9, bem como do que é dito pela protagonista em ambas as situações, percebemos o uso das técnicas de avaliação de texto invocado e do ecoar de certas formas de comunicação (BAZERMAN, 2004), se entendermos que o enunciado "Ainda bem que agora a gente tem Sky, que essa casa tava meio morta, né?" é típico de dado contexto sociocultural, mais contemporâneo, e não de outro, a exemplo do medieval e da década de 90. Observemos a seguinte construção “ainda bem que...que”, com marcas de informalidade e repetição, bem como de redução de vocábulos, a exemplo de “estava” por “tava”, “não é” para “né”, implicando em uma possível destinação para um público jovem e atual e na pressuposição de que a voz que fala nesse momento é a da própria modelo Gisele e não a da personagem vampira.
Considerações finais
Diante do exposto, percebemos que as técnicas de representação da intertextualidade são adotadas como estratégias para aumentar o envolvimento dos leitores/ouvintes/interagentes e, consequentemente, alcançar o propósito de venda dos produtos da operadora Sky, evidenciando seu diferencial no mercado.
Pudemos identificar as seis técnicas mencionadas por Bazerman (2004) na propaganda da Sky tanto em comparação com o videoclipe de Thriller como em relação a outros enunciados. Identificamos, portanto, citação direta, citação indireta, menção de pessoas, uso de "vozes" reconhecíveis de um grupo específico, avaliação de texto invocado e o ecoar de certas formas de comunicação.
Referências
BAZERMAN, C. Intertextuality: How texts rely on other texts. In: BAZERMAN, C; PRIOR, P. (eds.). What writing does and how it does It: An introduction to analyzing texts and textual practices. Mahwah, New Jersey: Lawrence Erlbaum, 83–96, 2004.
COSTA, Giselda dos Santos. Intertextualidade (Bazerman, 2004), 12 out. 2022. In: COSTA, Gilselda dos Santos. Giselda Costa. Disponível em:https://giseldasantoscosta.blogspot.com/2022/10/intertextualidade-bazerman2004.html?m=1Acesso. Acesso em: 22 jun. 2023.